sexta-feira, 4 de abril de 2008

QUEM TEM MEDO DE BRINCAR DE AMOR - Parte 2

Unhas. Sinto falta das minhas. Sem elas, fitas em plástico Bopp para abertura de embalagens não parecem ser assim, algo tão extraordinário. É uma conclusão. Obtida pela ponta dos dedos enquanto tento desnudar afoito uma caixa de Marlboro. Rodrigo vem até mim com seus braços marcados pelo alumínio do peitoril da janela onde estivera debruçado á procura de ar, enquanto suas mãos abraçam, uma lata de Coca-Cola.

Se pudesse dizer algo lógico e limpo com mais de cinco palavras, possivelmente eu diria: “veja as coisas por outro lado, et cetera e tal”. Isso porque eu falei em lógica e limpeza e não em primor filosófico. Sou um hardware ligado à ela sabe-se lá por qual cabo. Não me lembro ao certo como, mas o fato é que ao pensar em Marcella o que me ocorre instantaneamente é a imagem dos seus dedos soltos percorrendo as teclas da calculadora quase que instintivamente em busca dos valores correspondentes aos produtos de nossa lista de compras. Fruto do seu senso de organização. Eu finjindo observar distraidamente a data de validade impressa em uma grande e laranja tampa de maionese Hellmans enquanto na verdade organizava a realidade. Não sou auto-suficiente, eu admito. O que faz de ações insignificantes como amarrar o próprio tênis, ou partir o próprio bife, conquistas pra mim. Dessa forma, ela vale o símbolo de uma barra de chocolate ao leite achado sem querer na despensa em meio ao turbilhão de uma crise de hipoglicemia. Ou seja, preciso muito dela. Certamente, mais do que ela precisa de mim. Seus lábios grossos dispostos numa máscara sangüínea adorável. Suas sobrancelhas finas conferindo um certo aspecto ético a qualquer ato seu. O cabelo negro e brilhante na altura dos ombros remetendo ao vinil de All Mod Cons do The Jam. Seu colo, uma ofensa à todas as senhoras feias e católicas, desgarradas de seus maridos e a procura da oferta que fará de suas vidas algo do que se orgulhar. Minha Audrey Tautou. Com seus olhinhos puxados trazendo paz aos meus momentos de solidão irremediável. Discorrendo sobre a seção de cartas de amor da Reader’s Digest ou sobre como as curvas numa embalagem podem revolucionar o mundo.

Estávamos tão próximos. Separados por pouco mais que cinco ou seis tipos de pratos congelados. E agora meu coração está vazio. Sem aquela paixão concreta e inabalável. Algo como uma onda de calor pulsante que faz cócegas em minha garganta. Um misto de prazer e desconforto, como o sabor das pipocas Kettle Corn. Nada muito brando. E tudo o que eu mais quero é um beijo seu. Algo exótico e molhado como uma partida de badminton em Kuala Lampur. Ao seu lado sou uma estante em aço latonado procurando na gôndola freezer um pote de sorvete de nozes Hägen Daasz. Nozes. Maskell. Consistência e cremosidade.

Tento pensar em algo alegre, capaz de transformar a certeza da impossibilidade da reconquista numa questão suportável. Só o que me ocorre é uma série desconexa de músicas de Jens Lekman e a imagem muito nítida de um revólver 38 pertencente ao meu avô, com seu belo cabo em madre pérola coberto por um monte de cobertores dentro do guarda roupa.


ao som de Pocketful of Money do JENS LEKMAN

quinta-feira, 3 de abril de 2008

QUEM TEM MEDO DE BRINCAR DE AMOR - Parte 1

Seis da tarde é um territórios perigoso sob a chuva que faz do asfalto um espelho. Existem dois modos de envelhecer: o primeiro dignamente. O segundo, o que eu recomendo. Por isso mesmo ligo um cigarro, enquanto o tilintar dos copos me acalma. Marcella sempre foi um sonho e ainda que a falta de alguma carne quente e sólida dentro daquele corpo seja algo a lamentar; bem, você sabe: um Cock Stroker sempre será capaz de superar qualquer paspalho cagão vivendo da aprovação de um bando de amiguinhos punheteiros.

O fato é que, aqui estou eu. O menor homem do mundo. Um sujeito de enormes gengivas e uma nota de cinqüenta na carteira. Com as chaves precariamente dispostas num mosquetão preso às calças, levando uma vida de vírgulas e aindas. Um obstáculo embalado em jeans barato assistindo inerte ao estupro de uma garrafa de cerveja enquanto calcula com todas as letras a distância exata entre cada um dos seus fracassos. Os cotovelos fincados no balcão, o olhar vago. Como quem conta as pequenas sementes de um morango. Farto de qualquer questão maior que os pelos queimados saindo de suas narinas. Balbuciando palavras entrecortadas em quarenta e cinco rotações, como quem acaba de levar uma joelhada nos testículos.

Estou decidido a esquecê-la. Grito ao balconista por mais uma cerveja e posto a boca num quase sorriso. Acabo de perder uma linda e úmida boceta capaz de passar duas horas ao meu lado depositadas numa poltrona de cinema assistindo a mais um filme cool sobre amores impossíveis em algum lugar da Escandinávia. Ele, um loiro alto e de dentes imaculados com cerca de trinta anos. Um burocrata protestante conservador. Ela, uma menina de sardas num vôo desesperado pelos fiordes, numa busca incessante pela correspondência desse amor. Peço ao cara com um pano de prato no ombro uma caneta, com a qual rabisco rapidamente no guardanapo uma lista pessoal de catástrofes. Em ordem crescente: pão de forma colado no céu da boca, pentelhos presos nos dentes, polução noturna, câncer de esôfago e burocratas protestantes conservadores que alimentam falsas esperanças em garotas com sardas.

Minha decisão não pode esperar. É hora de esquecer tudo o que passou e as opções são: 1. procurar o banheiro masculino mais próximo e aguardar ser comido por um náufrago recém chegado à civilização e ávido por sexo, 2. entupir meu nariz engessado e 3. a morte. Penso na hipótese mais plausível e decido-me pelas três. Afinal de contas, de quem você gosta mais, do papai ou da mamãe? Quer saber, isso sempre foi um problema pra mim.


ao som de Creep do RADIOHEAD

domingo, 30 de março de 2008

JOGANDO VIDA DOS SONHOS

Vou afrouxar o cadarço dos meus tênis e descubro que há um nó impossível de ser desfeito no meu pé esquerdo. Moral da história: EU TENHO UM PÉ ESQUERDO.

Conversando com o Rodrigo entre garfadas numa pizza de rúcula e goles de guaraná, decidimos jogar Vidas dos Sonhos. A coisa é fácil. Consiste em pegar alguém que conhecemos e imaginar o que essa pessoa deve estar fazendo naquele exato instante. Palavras como cinema, Lester Bangs e sexo são as que mais aparecem. Hoje, por exemplo, foi a vez do Ricardo. O namorado da Lívia. Quer dizer, a própria Lívia tem uma vida bacana: um apartamento simpático a três quadras da avenida Paulista, grana pra comprar a Found, a Zupi e a Simples, além de sexo limpo com o cara que ama. Mas, o Ricardo: Gang of Four no Vancouver Commodore, (quando ainda nem se falava dos caras virem pro Brasil), três semanas no Thistle Marble Arch em Londres, tardes no Rijksmuseum de Amsterdã e sexo limpo com uma garota que o ama.

Vista pela ótica de Vidas dos Sonhos minha vida estaria entre os quatrocentos últimos nomes dos créditos finais de uma comédia albanesa sobre um padeiro gago durante o regime comunista. Mas, sempre existe um mas. O meu, não tem mais que um metro e vinte e cinco, quinze quilos e poucos e pequenos dentes. Está no alto da escada e sorri deliciosamente como quem diz: Bem, ai está você papai, e que bom que você veio. Pode ser só um palpite. Como quando apertamos os olhos contra o céu tentando estabelecer a probabilidade de chuva. Mas olhando aquelas bochechas enormes se distendendo num sorriso luminoso, não como pensar o contrário. O meu pequeno grande evento do dia: Rafaella.

Sim, eu estou babando. E meus posts têm desculpas sempre repetitivas pra falta de criatividade. Mas enfim, é de vida que eu falo. A minha vida. Que pode não ter garrafas de Perrier na geladeira, mas tem crianças com bocas e mãos sujas de chocolate prontas pra receber todo o meu amor sem impor qualquer condição. Enquanto for assim, não espere mesmo outra coisa de mim.


ao som de Guilt Is a Useless Emotion do NEW ORDER